Alguns dados sobre a agricultura familiar no Brasil impressionam: em um ano (2016), 83% da mandioca do país foi produzida assim. Além disso, cerca de 30% do gado bovino, 67% do feijão e 70% das aves criadas em território nacional foram de responsabilidade do cultivo de pequenas famílias.
Também houve dados — mais tarde contestados pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) nas suas fontes e métodos de análise — de que 70% de todo alimento produzido no Brasil estaria vinculado à agricultura familiar de alguma maneira. Verdadeiros ou especulativos, esses números dão conta da enorme expectativa e valor atribuído ao desempenho dos núcleos familiares e ao uso que fazem da terra no país.
O cultivo em pequenas propriedades não costuma substituir a mão de obra dos trabalhadores agrícolas por máquinas, mas isso não significa que o uso da tecnologia não seja crescente entre essas famílias. Como veremos, esse é um dos grandes auxílios que elas recebem para serem competitivas.
Neste artigo, você vai aprender tudo sobre a agricultura familiar, um tópico obrigatório para quem vai pleitear um curso de Agronomia ou pretende tentar carreira na área de Engenharia Ambiental, nova tendência profissional que tem se mantido desde a primeira década dos anos 2000.
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O que é agricultura familiar?
Por definição, dá-se esse nome às propriedades produtivas que não ultrapassem os 4 módulos fiscais, sendo que cada módulo tem entre 5 e 100 hectares — o valor exato varia de município para município e é definido pelas prefeituras. Além disso, para se enquadrar nessa categoria, a manutenção da terra tem que ser de responsabilidade de um único núcleo familiar, que pode contratar uns poucos funcionários.
Para ter uma ideia da extensão de uma propriedade como essa, um hectare corresponde a 10.000 metros quadrados. Ou seja, a agricultura familiar é a produção de uma família em uma área entre 50.000 e um milhão de metros quadrados.
É uma faixa pequena de terra, se comparada ao sistema de latifúndios de exportação conhecido como “modelo patronal”, mas que pode gerar muitos empregos. A economia de uma região pode ser radicalmente modificada pela existência de módulos fiscais familiares, já que ela gera empregos, renda e movimenta positivamente o comércio local.
Como veremos ao longo deste artigo, há algumas características desses modelos de exploração do solo e criação, como:
- menos uso de agrotóxicos;
- maior empregabilidade;
- menor acumulação de renda e de propriedades;
- melhor conexão com os vendedores locais.
A agricultura familiar é o ponto principal da descentralização de modelos de produção e de venda de alimentos.
Por que a agricultura familiar é importante para a economia?
As grandes propriedades são voltadas à produção de grãos e commodities para exportação, sendo raro que seus produtos cheguem à mesa dos brasileiros. Além disso, elas praticam a monocultura, uma atividade que demanda o uso constante de agrotóxicos.
Por commodities, entende-se produtos de origem primária e que servem para serem transformados em outros produtos. Ou seja, de certa forma, os grandes latifúndios brasileiros exportam matéria-prima, o que coloca nossas vendas no exterior em uma situação em que a única coisa que pesa para sua precificação é a relação entre oferta e procura.
Como exemplo disso, você pode pensar no milho, que é vendido em estado bruto para ser transformado no país comprador em uma série de alimentos: cereais matinais, bolos, conservas e outros. Esses produtos apresentam o que chamamos de valor agregado: eles podem ser mais ou menos saborosos, utilizarem ingredientes raros ou especiais e serem produzidos seguindo receitas conhecidas, por exemplo.
Tudo isso permite uma precificação baseada na entrega do valor do produto, e não apenas em quanto os concorrentes estão cobrando em cada mercado. Como a agricultura familiar não produz commodities e não visa à exportação, ela não é concorrente dos grandes sistemas patronais. Por outro lado, é ela quem mais gera empregos no país, segundo dados recentes.
Os pequenos agricultores familiares estão mais voltados às demandas de comércios locais, sendo, portanto, responsáveis pela alimentação das pessoas em pequenas cidades brasileiras, que ficam fora do grande circuito comercial de alimentos. Como existe uma proximidade entre produtor e comerciante, a cooperação e a capacidade de negociação são maiores, o que gera uma sólida estrutura econômica a nível local.
Fora isso, os módulos familiares empregam muita gente: eles são a base econômica de 90% dos municípios brasileiros (notadamente os menores) e respondiam, em 2018, por 35% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. Os pequenos produtores não costumam substituir a mão de obra humana por maquinário, o que também é positivo para a geração de empregos.
A TV Uniderp fez uma reportagem especial sobre a importância da agricultura familiar em Campo Grande. Confira:
Quais são os diferenciais dos produtos da agricultura familiar?
Então, por tudo que explicamos até aqui, é possível considerar a agricultura familiar como uma atividade econômica essencial, que movimenta o mercado brasileiro, sendo destinada ao consumo da nossa própria população. Vale a pena ir mais a fundo nessas vantagens e relacioná-las a outras.
Até porque, as vantagens desse sistema de produção não se justificam apenas pelo seu valor de mercado, mas também pelos métodos que utiliza e a qualidade do produto que chega à mesa dos brasileiros.
Abaixo, fizemos uma lista com os maiores diferenciais da agricultura familiar no Brasil, passando por todas as suas etapas e examinando sua teia de relações econômicas. Se você pretende atuar em profissões técnicas ou gerenciais relacionadas a esse segmento, vale a pena ler essas vantagens com atenção.
Uso de tecnologia e inovação
No início deste artigo, mencionamos o fato de a agricultura de responsabilidade dos módulos fiscais não fazer uso de equipamentos que substituem o trabalho humano. No entanto, isso não significa que as novidades tecnológicas não tenham vez nesse modo de produção.
O pequeno agricultor é um empreendedor como tantos outros, então, está constantemente em busca de maneiras sustentáveis e economicamente escaláveis de oferecer seus produtos. Ele deve se fiar em análises de mercado para balizar sua produção e desenvolver estratégias de marketing para atingir os pequenos mercados e comércios locais.
Ele pode reduzir o custo produtivo evitando o desperdício, por exemplo. E faz isso por meio de softwares que utilizam algoritmos para dosar a pulverização agrícola. O mais conhecido desses softwares, de recomendação da própria Embrapa, chama-se Gotas, e é gratuito.
A entidade também realiza parcerias público-privadas para desenvolvimento de soluções baratas e simples de instalar. Um exemplo disso é a pulverização eletrostática, que utiliza cargas elétricas para levar as gotas às folhas das plantações, evitando o desperdício e ainda garantindo que a substância não se espalhe pelo solo, o que poderia ser nocivo ao seu ciclo de renovação.
Esses são só dois exemplos de uso de recursos avançados e que mobilizam esforços grandes de Engenharia de Produto. No entanto, o uso de programas em nuvem generaliza-se entre os produtores, que são receptivos sobretudo a soluções que ajudam na gestão e na administração das lavouras. O governo federal tem iniciativas que ajudam na inclusão digital desses proprietários, de modo que mesmo os mais velhos possam se adaptar.
Sustentabilidade
A maior característica da agricultura familiar, quando comparada ao modelo “patronal” como é chamado pelo Ministério da Agricultura o modelo de latifúndios, é a diversificação da produção. Como dissemos, pela própria necessidade de venda, o cultivo familiar é diversificado, e essa diversificação gera menos necessidade de insumos industriais e defensivos agrícolas, também conhecidos como agrotóxicos. Ou seja, maior sustentabilidade e qualidade.
Produtos sustentáveis são bons para o consumidor, mas também para o trabalhador rural, já que ele fica menos exposto a produtos químicos nocivos à sua pele e ao seu sistema respiratório. Não à toa, costuma-se associar a agricultura familiar à produção orgânica de alimentos, embora isso não seja realidade em todos os casos.
Seja como for, a consequência da policultura é um melhor uso do solo, mais qualidade de vida para os trabalhadores e alimentos mais saudáveis. O impacto da agricultura familiar na saúde do país pode ser tão grande quanto a capacidade de os grandes centros (que detêm a maior parte da população) de receber e de redistribuir esses produtos.
Grande geração de empregos
O modelo de agropecuária dos grandes latifúndios é chamado de “produtivista”, uma vez que atende exclusivamente a interesses econômicos de aumento de competitividade e diminuição de custos na produção. A agricultura familiar, por outro lado, visa a um propósito mais comunitário e envolvido com a economia local.
Assim, por exemplo, ela tende a valorizar mais a mão de obra humana e também tem menos para investir em grandes e caros maquinários. Isso significa uma menor substituição do trabalho das pessoas pelo das máquinas, como já falamos, o que é um ponto positivo para a geração e a manutenção de empregos, especialmente em épocas de crise.
Segundo dados atuais, cerca de 77% dos empregos do setor agrícola são de responsabilidade dos núcleos familiares de produção, e é curioso notar que esses números se mantiveram mesmo em épocas em que as taxas de financiamento para aquisição de maquinários foram baixas.
Com essas oportunidades, o modelo contribui para atenuar um grande problema social e logístico brasileiro: o êxodo rural. Acredita-se que ampliar o acesso a recursos estatais de financiamento seria benéfico para os núcleos familiares, permitindo expandir negócios pequenos e gerar novos empregos.
Além disso, a renda gerada para o trabalhador aquece o comércio local de alimentos e continua gerando demanda para eles, dando início a um círculo econômico virtuoso baseado em relações locais. Com mais investimentos, teríamos mais gente empregada e mais moeda circulando, o que justificaria o aumento da produção e assim por diante.
Preservação de hábitos alimentares e culturais
Em escala global, a oferta de alimentos tende à padronização. Isso significa que recorrer a certas refeições — quase sempre fast-foods — anula a assinatura que um povo emprega na produção da sua comida. É preciso compreender que a gastronomia é uma forma de expressão da cultura regional, e uma característica ainda muito forte na culinária brasileira, em especial.
Como os módulos fiscais precisam também “enxugar” seus custos pensando em produtividade, eles fazem escolhas por produtos característicos de cada região, que são também os mais adaptados ao solo e às condições climáticas de cada localidade. Assim, essas tradições gastronômicas mantêm-se e ajudam a gerar valor para a cultura local.
Essa valorização é benéfica também do ponto de vista comercial, já que algumas iguarias passam a ser exportadas para outras regiões do país. Uma das consequências disso é o aumento do chamado “turismo gastronômico”, que movimenta muito dinheiro anualmente e promove a economia de pequenos e de médios municípios.
Uso consciente do solo e de outros recursos
Se pensarmos que a agricultura em geral é uma atividade que utiliza grandes quantidades de água — especula-se que 70% dos recursos hídricos do planeta sejam gastos dessa forma — sua economia torna-se um fator indispensável para a sustentabilidade da lavoura. Em sistemas grandes utilizados nos latifúndios, é muito difícil controlar os gastos de água em virtude da extensão territorial das plantações.
Na agricultura familiar, por outro lado, já são muito utilizados os sistemas de microaspersão e gotejamento. O primeiro funciona aspergindo quantidades controladas de água sobre as plantas, e o segundo, como o nome indica, pela administração da água em gotas, sobre o qual já comentamos mais acima.
Ambos os sistemas estão acoplados a sistemas informatizados que permitem programar a quantidade e os horários em que a água será distribuída. Se aplicados corretamente, ambos os sistemas chegam a economizar metade da água que seria empregada por modelos tradicionais.
Somando-se essas iniciativas às práticas da policultura e do uso de defensivos agrícolas naturais, podemos afirmar que o cultivo em pequenos núcleos familiares faz melhor uso do solo e de outros recursos indispensáveis à sobrevivência do planeta.
Como ela contribui para o comércio local?
A produção de alimentos é o ponto fundamental para a economia de uma região. Por meio dela, o primeiro passo na cadeia produtiva é dado, e os custos de produção ali gerados são aqueles que vão sendo repassados por toda essa teia econômica. Para o vendedor, é vantajoso negociar com esse produtor, já que a relação fica equilibrada e bilateral.
Se fosse lidar com grandes latifúndios, os pequenos pontos de venda teriam que acatar certas regras que poderiam significar muitos custos extras para eles. Por exemplo, é possível que tivessem que encomendar grandes quantidades de alimentos, aumentando o risco de não conseguir vendê-lo antes do fim do prazo de validade.
A consequência disso no preço, quase sempre, é o aumento de preço todos os produtos, de modo que a venda de um certo número deles compense os riscos de comprar grandes quantidades. Ou seja, os efeitos econômicos acabam sendo repassados ao consumidor.
Produtor e comerciante, com uma relação próxima, também têm a chance de gerar conhecimentos sobre as vendas mutuamente. Isso pressupõe a política de ambos de avaliarem juntos se determinados tipos de alimentos e suas variações têm lugar no mercado. Dessa forma, o comerciante permite ao produtor orientar seus recursos, gerando produtos com maior potencial de venda. O produtor, por sua vez, permite ao comerciante ter mais opções e argumentos para vendê-los.
A qualidade dos produtos também é maior. A agricultura familiar, diferentemente do que acontece com o modelo patronal de produção, está mais próxima do consumidor final. Seus produtos, ou pelo menos boa parte deles, não se destina a ser processado e transformado em outros alimentos, mas a ser consumido tal como foi produzido.
Então, não é exagero afirmar que se torna maior a demanda dos consumidores por alimentos de qualidade. Nesse quesito, o comerciante recebe produtos selecionados e sem defensivos agrícolas. Esse, por sinal, pode ser um ótimo argumento de venda para ele, em casos em que concorre com grandes cadeias de supermercados.
Que tipo de oportunidade é gerada na comunidade?
Quando falamos sobre as oportunidades de emprego geradas pelos núcleos da agricultura familiar, não abordamos um ponto importante: a crescente demanda por especialistas entre esses núcleos. À medida que as tecnologias vão se aprimorando, cresce a necessidade de profissionais graduados no campo.
Também as profissões em áreas administrativas ou de gestão são demandadas, mas com uma particularidade: na agricultura familiar, as habilidades técnicas e gerenciais se fundem no mesmo profissional, pela própria natureza do negócio. Isso faz com que seja necessário ao novo agrônomo ou engenheiro ambiental desenvolver as chamadas soft skills.
Profissionais generalistas
Soft skills são habilidades pertencentes ao campo do comportamento, relacionamento interpessoal e inteligência emocional. Em outras palavras, são aptidões como gerenciar equipes, definir prioridades, organizar tarefas, distribuí-las entre a equipe e analisar números e indicadores econômicos.
É curioso notar que essa evolução do perfil do engenheiro não se restringe às áreas ligadas à Agronomia. Em todos os campos técnicos, há uma tendência de que as máquinas absorvam a parte mais lógica e repetitiva dos trabalhos, abrindo espaço para o desenvolvimento de atitudes interacionais e comunicativas que só podem ser desempenhadas por pessoas.
Seja como for, a geração de oportunidades profissionais na comunidade em torno dos módulos fiscais é grande, e a especialização continua sendo fundamental. Então, se você está em busca de uma faculdade de Agronomia no Mato Grosso do Sul, área com grandes concentrações e terras destinadas à agricultura familiar, deve estar atento ao ensino que é feito das soft skills nessas instituições. Para isso, procure saber como são os currículos delas.
E, por sinal, esse curso, junto à sua modalidade-irmã Engenharia Agronômica, está entre os que melhor preparam o profissional para atuar na agricultura. E é bom que se diga: isso independe do tamanho do negócio, já que, como vimos, a lei permite uma grande variação na área coberta por um mesmo módulo fiscal.
Aqui na Uniderp, damos especial atenção à elaboração de um currículo que privilegie aspectos técnicos e gerenciais, assim como as soft skills, uma vez que a formação de um bom profissional resulta da coexistência entre esses dois tipos de aptidões.
Profissões com habilidades técnicas e de gestão
Novamente: um dos grandes diferenciais entre a agricultura patronal e a familiar é o modo de gestão. Na primeira, a parte administrativa é completamente desvinculada da produção. Então, tem-se a compartimentação do trabalho, que é distribuído entre engenheiros e gestores.
Na agricultura familiar, por outro lado, existe a possibilidade de um mesmo profissional atuar em diversas áreas do negócio. A demanda por profissionais generalistas não é a única consequência disso. Também é possível perceber que esse tipo de sistema de cultivo precisa de equipes mais fortes e coesas, bem como líderes com grande potencial de aprendizado teórico e prático.
Afinal, a menor padronização também significa que cada módulo fiscal tem seu próprio modelo de funcionamento, que foi elaborado de maneira mais ou menos sistemática pelos proprietários da terra. Esses modelos têm muito de tentativa e erro e são práticos antes de tudo. Então, não adianta querer encontrar modelos parecidos em dois núcleos de agricultura familiar diferentes.
Qualquer profissional que chegue ao novo emprego e pretenda fazer uso do conteúdo teórico que aprendeu em seus anos de graduação ou pós-graduação será muito bem-vindo. No entanto, ele deve ter em mente que, nessas situações, os resultados costumam vir também de intervenções menos “estudadas” e mais adaptadas a uma realidade muito prática. Experiência e proatividade contam muito.
A agricultura familiar é a tal ponto abrangente e importante para a economia brasileira que as análises deste blog não ficariam completas sem um artigo que a explorasse a fundo. Esperamos que este conteúdo tenha ajudado você a decidir se gostaria de atuar nessa área e se, por conseguinte, deve se matricular em cursos que permitam essa atuação.
E se quiser se aprofundar nas diferenças entre os cursos de Agronomia e de Engenharia Agrônoma, não deixe de ler o nosso conteúdo sobre o assunto. As áreas têm suas semelhanças, mas atendem a diferentes propósitos profissionais e econômicos.